Sem Filtro: Através da fotografia, Heidy quer relembrar a nossa condição animal, debater, questionar e provocar outra leitura da nudez na sociedade atual.


O conservadorismo não passa nas lentes onde a pluralidade é o foco. Os filtros são apenas formas de exclusão e nunca refletem a essência. A nossa edição do Sem Filtro vai de encontro com o que mira os olhos da fotógrafa Heidy Bastos!

Diretamente do Pará, uma fotógrafa roda o mundo conhecendo diferentes realidades, fazendo pesquisas e cliques de nudez com individualidades do corpo, o templo de cada um. Heidy Bastos tem uma conversa gostosa e cheio de humor com nosso blog, o Código Nóize! Confira.:



Heidy, a nudez ainda é um Tabu para muitas pessoas e você consegue ter um olhar alternativo da nudez, passa uma mensagem bem esclarecida, tranquila, crua e muito transparente dos modelos. Como começou a fotografar e adquiriu esse dom com tanta originalidade?

Na verdade, enquanto artista, eu sabia que queria mesmo fotografar. Porém, ainda não tinha bem certeza de qual seria o foco do meu trabalho... Tentei paisagem, tentei bebês, tentei gestantes... Te juro que eu tentei! Mas nada disso me satisfazia criativamente. Até que um dia, brincando com a câmera em um final de tarde, olhei para o lado e vi o meu ex-namorado dormindo. Achei a luz e a composição daquele momento tão bonito, que decidi fotografá-lo ali mesmo. E gostei muito do resultado. Foi então que eu entendi, enfim, que a natureza da minha fotografia é essa: Uma fotografia orgânica, crua, documental. “Onde me torno quase invisível, submersa na intimidade de quem passa pelas minhas lentes...” Depois que entendi o meu processo enquanto criadora, ai comecei a experimentar comigo mesma. Primeiramente com autorretratos, e depois posando para outros fotógrafos para entender e aprofundar a relação entre o fazer e ser arte. Acho que essa experiência pessoal e sinestésica foi de suma importância para criar uma conexão sincera entre eu e as pessoas que fotografo. Eu também já estive ali, e sei o quanto o processo todo pode ser intimidador!

 


Você conta: "Onde me torno quase invisível, 
 submersa na intimidade de quem passa pelas minhas lentes...". Percebe-se que teus modelos estão bem a vontade nas fotografias. Faz umas piadas, pede pra relaxar, queima um, toma uma, o que acontece?

Eu comecei fotografando pessoas com as quais eu tinha alguma relação de intimidade, o que facilita bastante! Mas depois acabei desenvolvendo as minhas próprias técnicas, se é que posso assim dizer! Por exemplo, eu nunca estipulo um limite de horas. Cada pessoa tem o seu tempo pra relaxar, se sentir à vontade... As primeiras fotos são sempre tensas, por isso eu não tenho pressa. Preciso que as pessoas se sintam bem ali comigo. Que seja prazeroso para ambos. Geralmente conversamos por horas, contamos casos, histórias pessoais... É mesmo uma troca! As pessoas não podem ter medo da câmera, e menos ainda de mim! Alguns pedem uma bebidinha pra ajudar, sim. Outros fumam um cigarrinho do índio... Mas posso te dizer que, até hoje, a maioria posou de cara limpa mesmo.

Essa galera que você fotografou nua, alguns foram amigos mais próximos, outros foram namorados.. e os demais, você que foi atrás? Tem pessoas de movimentos sociais, tipo ativistas feministas, LGBTQ?

É bem complicado encontrar modelos, sabe? Eu tenho tido muita dificuldade em dar continuidade nesse projeto aqui no Brasil. As pessoas ainda têm uma resistência e um certo pudor, que eu nem sei como te explicar... É até engraçado! Algumas pessoas me procuram, combinam comigo e na hora acabam me deixando na mão. Geralmente, sou eu quem vai atrás de modelos que queiram participar. E uso várias ferramentas para isso, que vão desde o velho boca-a-boca entre amigos ao controverso Tinder (Aplicativo de relacionamentos)! Porém, essa busca por modelos é sempre um processo delicado... Agora mesmo eu estou trabalhando em um novo projeto fotográfico, voltado para a cena Queer aqui de Belém. Além da nudez, quero entrar também nesse território do gênero e da sexualidade. Mas até agora, a cena LGBTQ foi o único movimento social que abraçou a minha arte. Ainda que com alguma resistência...

Você já recrutou modelos com o Tinder, já rolou ensaios entre amasso?

Não. Já rolou depois. Mas nunca na hora! Hahahaha... E como alguns modelos fotografados são pessoas que já fizeram parte da minha vida, então não foi nada muito impossível de acontecer ou mesmo desconfortável. E as pessoas que vieram através do Tinder, foram extremamente educadas e prestativas, a nossa relação foi completamente profissional e o clima super descontraído! Prezo muito por esse respeito mútuo entre ambos.

Talvez não seja bom e nem ruim, mas seria bem nostálgico, passar por essa situação e depois ver as fotos, imagina..


É verdade, não vou mentir pra ti... Tem umas fotos que eu olho e falo: pows... queria de novo! Hahahahaha




No Brasil, a sociedade tem demonstrado ideias bem conservadoras, é diferente na gringa? Mas existem muitos artistas aqui e no mundo que sempre estão na contramão... Você acha que a nudez ainda é um choque aqui?

Com certeza! Disso eu não tenho a menor dúvida porque sinto na pele todos os dias. Eu nasci e me criei em Belém do Pará, as minhas referências imagéticas mais profundas, a base da minha formação intelectual e a minha relação da nudez com a natureza humana é fruto dessa vivência amazônica, das minhas raízes. E eu sinto que tenho essa "dívida criativa" com Belém, com a Amazônia. Essa semana mesmo eu andei meio triste porque dois modelos desmarcaram comigo em cima da hora, e conversando com um amigo, ele me disse:

"Heidy, as pessoas acham lindo o que fazes, e pode achar maravilhoso dentro de uma galeria de arte. Ainda mais se for dentro de uma galeria de arte na Europa! Mas a verdade é que talvez nós, aqui, ainda não estejamos realmente preparados para o que fazes."

E eu me pus a pensar e tentar entender porque a nudez crua contida no meu trabalho ofende mais do que a bundalização nossa de cada dia... Porém, não cheguei a nenhuma conclusão. Mas eu te digo, me dói muito, sim, ver a minha arte ter mais espaço e ser muito mais reconhecida no exterior, do que no meu próprio país.


São pessoas de diversos países?

Sim, os modelos são de diversos países. Entre eles, Brasil, Irlanda, Portugal, Suécia e Finlândia


Você participa de algum movimento ativista, social?


Eu não participo nomeadamente de nenhum movimento. Mas me considero feminista. E apesar de me cobrarem um posicionamento mais agressivo, eu sempre digo que a minha militância é solitária. É diária. É feita desconstruindo o pensamento machista e sexista das pessoas ao meu redor, é levando a nudez feminina a um patamar mais natural e menos sexualidade, é mostrando que eu posso sim, desempenhar o papel de fotógrafa e ser respeitada, independente do meu gênero. Mas eu luto silenciosa e diariamente, pelo meu direito de amar e dormir com quem quiser. Esse entendimento e sobretudo respeito, é o estandarte do meu ativismo. Por essas razões, me considero feminista, sim. E acho que mais importante do que fazer textão na internet e ter a capacidade de inspirar alguém e mudar, ainda que pequenas coisas, ao seu redor.

Você usa fotografia também como ferramenta do feminismo?

Penso que sim. A partir do momento em que eu trago corpos imperfeitos na sua plenitude para desconstruir "imageticamente" aquele padrão de beleza que a mídia determina, acredito que todas nós, enquanto mulheres nos beneficiaremos. Pois nos enxergamos ali, naquela outra mulher, real. Cheia de imperfeições, mas nem por isso menos bonita. Algumas modelos se chocaram com o resultado final, e me confessaram ser preciso olhar as fotos duas ou três vezes, para enfim, se enxergarem bonitas. Vês o quanto essa utopia estética é incrustada nas nossas mentes? Fico muito feliz de ter podido participar desse processo libertador de cada uma delas, e de me reconhecer também, nessa jornada de auto aceitação.

Tem muitos fotógraf@s que fazem ensaios de nu dizendo ter uma proposta de quebra de estereótipos, quando a gente vai ver, só aquelas meninas dreadzinho, tatuadinhas, peitinho durinho no pique da revista Trip... o que você acha desse tipo de nudez? Acha machista e pra vender sexo?

Sinceramente? Acho. Hahaha... Por isso te mencionei anteriormente aquela questão da militância solitária. Acho muito fácil sair por aí interpretando um papel ativista, levantando uma bandeira, e no final do dia ser um humano escroto. Conheço um fotógrafo que, depois de fazer um ensaio sensual com uma modelo fora dos padrões estéticos, disse no meio de uma roda de fotógrafos que estava muito cansado, pois aquilo tinha sido "tirar leite de pedra porque a mulher era o cão". Todos riram. Eu era a única mulher presente. Tentei argumentar. Mas como não fotografo casamentos ou bebês, a minha opinião também não era assim tão relevante. Até porque segundo eles, pra artistas "tudo é arte". Alguns fotógrafos fazem exatamente isso o que disseste: vendem uma nudez desconstruída. Veja bem, eu disse "vende". Porque sexo vende. E como estamos vivendo um momento de quebra de muitos paradigmas e ampliação de conceitos, acho que eles perceberam a deixa, e incorporaram o "desconstruído" no cardápio. Vejo esse termo "desconstruído" como mais uma vertente padronizadora dos estereótipos estéticos.


Você fez alguma formação e no momento, trabalha só com fotografia?

Sim. No momento estou 100% fotógrafa. Sou formada em Publicidade e Propaganda, e em Moda. Logo, tive contato com a fotografia, linguagem visual e a semiótica nos 2 cursos. Fiz um curso de Fotografia analógica no Centro de Arte e Comunicação Visual em Portugal. E em setembro próximo inicio o mestrado em Design e Cultura Visual em Lisboa. Porém a fotografia faz parte da minha vida desde criança. Por volta dos 7 anos de idade, ganhei uma câmera de presente da minha mãe e desde então, minhas formas de expressão criativa sempre transitaram pela fotografia. Era mesmo uma questão de tempo até a gente se acertar.


Você é formada em Moda... Onde o nudez e a Moda se encontram ou se desencontram?
Você diz que aprendeu sobre fotografia na moda, e a inspiração da moda é presente em suas fotografias?


A moda foi um divisor de águas na minha vida! Antes de terminar o curso eu já sabia que provavelmente jamais trabalharia com isso. Hahaha... Definitivamente não é pra mim. Além de ser uma atmosfera estética que vai totalmente de encontro ao meu cenário artístico. Porém, foi durante a faculdade de moda que eu apurei o meu senso estético e desenvolvi um olhar muito mais artístico. Tive contato com o trabalho de artistas e estilistas como: Martin Margiela, Rei Kawakubo, Alexander McQueen e Yohji Yamamoto dentre alguns. E também com fotógrafos que inspiram minha estética fotográfica profundamente, tal como: Nan Goldin, Man Ray, Helmut Newton, Robert Mapplethorpe, Annie Leibovitz, Ren Hang...

Moda, até o nome é estranho né? Nada de subversão, diversidade, diferenças...

Hahaha... Nada! Cria, massifica e vende!
Essa é a equação do sucesso!


Conta um pouco do teu novo projeto fotográfico, voltado para a cena Queer de Belém?


Como eu te falei, sinto essa necessidade de fazer algo por aqui, de somar e fazer essa energia criativa tão intensa que temos por aqui circular. E a cena Queer foi quem me acolheu, nesse momento. Hoje, é uma cena que está ganhando bastante espaço na noite de Belém, e as pessoas que estão por trás desse movimento também são artistas, performers, intelectuais, atores... Portanto, é notável o discurso transformação social que o movimento carrega. Como artista vinda de uma área relegada do Brasil e com uma arte busca transitar por entre questões marginalizadas da nossa sociedade, achei que seria extremamente interessante documentar essa relação artística nascida da possibilidade de uso do corpo como voz ativa e ferramenta de resistência social, a gênero e palco constante de mutações.

O que você quer botar na cuca das pessoas que veem sua fotografia? Qual é sua satisfação em despertar de certa forma, o reflexo da sua personalidade nas pessoas que acompanha esse trabalho?
Censurar o sensual e o erótico é negar o diálogo sobre o corpo, e pior ainda, com o próprio corpo. É ferir a liberdade do reconhecimento da existência humana e carnal. Devido a sua realidade instantânea, a fotografia tornou-se uma ferramenta imagética poderosíssima que revolucionou os parâmetros e a concepção visual do corpo, trazendo à tona a sua formalidade física e identidade sexual outrora abafada pela moral e os bons costumes. Porém, o padrão idealizado de beleza, que não condiz com a realidade da sociedade contemporânea, é ditado por elementos de moral muito duvidosa. E o nu hoje, carrega em si tanto o germe da pornografia, quanto o do ideal clássico de beleza. Através da minha fotografia, eu quero relembrar a nossa condição animal, debater, questionar e provocar outra leitura do nu na sociedade atual. Muito além da erotização a que nos adaptamos tão bem! Acho importante irmos além do corpo-sexo e termos esse diálogo sobre o corpo-templo, corpo-mutante, corpo-resistência. Afinal, vestir a nudez é parte da nossa condição humana. Em que momento esquecemos isso? E no mais, ganhar uns Reaizinhos também não seria assim tão ruim! Hahaha...
Eu gosto quando ouço alguém dizer coisas do tipo: "olha! Ela tem a barriga igual a minha e ela é tão bonita!"
Sempre tenho a sensação de que a minha mensagem está sendo compreendida...Mas a vaidade nos faz cegos. Tão cegos, que não vemos à nós mesmos!


Saiba mais sobre as fotografias de Heidy Bastos em:

Site:
heidybastosphotography.com

Instagram:
instagram.com/heidybastos




Por. Código Nóize
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