Dia de feira.
Pego um caldo de cana para me preparar para aquela fria entrevista por telefone.
De forma que eu já adoro essa invenção que só toca nas horas mais ingratas da vida, me
deparo com a simpatia do matuto contemporâneo Jessier Quirino.
Quirino é um
poeta radicado em Itabaiana e conta causos dos mais escalafobéticos a
politicagem e diagnósticos nordestinos.
Daqui de São
Paulo a ligação sairia no mínimo.. cara pra cacete! Aí quando o poeta me liga,
atendo na maior empolgação. Pensei... o artista me ligou e ainda não vou
precisar pagar a conta. Na verdade ele pediu para eu ligar em outro número, que
estava indo pra outra casa onde estaria mais a vontade. No fim, a conta veio
pra mim mesmo.
Mas vamos lá… conte-nos mais sobre sua
matutez poética.
“Uma característica
do meu trabalho é que eu ando na contramão de tudo”
Considerado um novo estilo de literatura
por diversos críticos, como você se denomina?
Eu gosto de
tratar de temas contemporâneos. Tem elementos pedagógicos, pessoas que debruçam
na causa nordestina, valores populares. Já disseram que é o estilo Quiriniano…
já chamaram de Xilolinguagem... porque tem teses, doutorados, literatura
comparada. Fazem tantas conceituações que até me assusto.
O matuto no cinema
E a inspiração para criar essas histórias
humorísticas?
A maioria das
histórias são reais, eu vou adaptando. É o que a gente chama de
‘performance enrolada’. O matuto e a
maconha, por exemplo… tem um amigo meu que a gente chama ele de crente,
porque ele fuma muita maconha. Aí um dia ele resolveu colocar um pouco de
maconha no cachimbo da vó só pra ver a reação dela. Aí cada vez que ela
tragava, olhava pra ele e dizia.. tem ciência nesse fumo aqui. Tem ciência!
O matuto e a maconha
Durante as
conversas informais a gente vai pegando alguns pontos.
A da hemorroida
eu mesmo fiz a cirurgia. Aí fiz o texto enumerando 135 sinônimos do elemento
alterado.. chama-se Quer ver matuto
humilhado é tá doente das partes.
Quer matuto humilhado é tá doente das partes
E agora com esse auge do stand up no
Brasil… já foi comparado a esse estilo também?
O meu trabalho
se diferencia em tudo nesse aspecto. O meu espetáculo é muito teatral.
Eles fazem em
ambiente festivo… com mesa de bar.. garçons. Eu preciso de uma atmosfera mais
intimista.
E também não é
somente humor. Minha poesia tem alguns segmentos.
Além da linha Humorística
tem a Saudosista, que trata de valores do interior. Escrito em tempo pretérito.
As pessoas choram durante a apresentação. A Agruras
da lata d’água apresenta um tema atual como a sustentabilidade.
Tem a linha mais
crítica-política como os contos… O matuto
e o coroné ou Oração pra tirar o mal
olhado do congresso nacional.
E tem a linha
Saudosista Universal, que é o carro chefe de todas as histórias que eu tenho… Vou me embora pro passado.
Vou me embora pro passado
Tem algumas histórias que já são
clássicas, e as pessoas sempre pedem nas apresentações. Você as vezes enjoa de
algum conto.. personagem.. cansa de declamar ou algo do tipo?
Não me incomodo
não. É até engraçado... o Mané Cabelim
é a história de um cabra raparigueiro, que gasta dinheiro com quenga, puta...é
uma lição de moral que dou pra ele deixar de ser safado. Aí no final de cada
história eu digo morra, você morreu pra mim! Mas as pessoas imploram para ele
não morrer. E já vai pra 4ª edição.
Tem rádios aqui
no nordeste que bota algum conto todos os dias. Faz parte da programação da
rádio.. eles chamam assim “toca a do cafezinho”. Porque são histórias de 8... 9
minutos e locutor deixa rolando e fica a vontade na hora.
A poesia se
sustenta muito na declamação… talvez se esse mesmo trabalho meu fosse só lido não
teria a sustentação que tem, não teria a força que tem hoje.
Você tem um certo lado teatral. Já
trabalhou com outras linguagens artísticas?
Fizeram um HQ do O Matuto no Cinema. Em outra situação
foi feito uma animação quadro a quadro.
Pra quem conhece
é mais uma forma de registro. Todas elas eu acho interessante e uma forma
importante de se fazer o registro.. só tenho a ganhar com isso.
E tem o livro Política de pé de muro. O único que não
é de poesia. A origem desse livro é engraçada... moro em Itabaiana… nas campanhas
eleitorais para prefeito e vereador a política aqui tem uma linha mais próxima
do povo, aquele curral eleitoral de vizinhaça, e muitos candidatos se lançam
com seu apelido mesmo. Tinha um aqui que era o Zé Cú de Taba... tinha o Zeca
Boca de Bacia...
Nas palestras as
pessoas até achavam que eu inventava isso, aí na outra eleição eu comecei a
tirar fotos das pixações e depois criava uma legenda.
Hoje estou
exercitando essa linguagem da fotografia com a palavra dentro do Instagram. Todas
as fotos são tiradas por mim… aí faço uma descrição da foto do cotidiano.
Valeu Jessier.. que essa conta já vai
ficar muito cara. Mas que tem ciência nesse cabra aí.. tem ciência!
Siga o Jessier
no Instagram
@jessierquirino
Ou saiba mais pelo
site